Traduzir ou não Traduzir, eis a questão!

Traduzir ou não traduzir? Essa é uma questão bastante polêmica e questionada, principalmente por alunos iniciantes. Não condeno a tradução em absoluto mas vejo como uma ferramenta que deva ser usada com muita cautela e parcimônia. Proponho um pouco de reflexão a respeito.

 Quem irá traduzir e quando? 
Pensar em quem irá traduzir é importantíssimo porque revela as crenças e estratégias de quem traduz. O professor que evita traduções o faz porque tem como primeiro objetivo fazer com que o aluno participe intelectualmente do processo de aprendizagem, portanto, para ele, traduzir reduz o papel do aluno, tornando-o coadjuvante. No caso desse recurso ser usado pelo aluno, revela uma estratégia  pessoal que deve ser respeitada, mas nunca incentivada, pelo motivo descrito acima.

 Trata-se de  traduzir uma palavra abstrata que gere dificuldades em se checar se o aluno realmente entendeu o significado da mesma?
Quando tratamos de palavras abstratas e que geram grande possibilidade de mal entendido, acho válido a tradução. A palavra "eventually" é um ótimo exemplo. Por tratar-se de um falso cognato, a chance de o aluno inferir errado é muito grande. É uma questão de custo-benefício. Uma ponderação entre quanto tempo vou gastar para que o aluno entenda versus o risco muito alto de ele inferir o significado erroneamente.

 Explicar em português é o mesmo que traduzir?
Explicar algo em português não é o mesmo que traduzir. Muitas vezes  faço uso do português para deixar claro que uma frase  dita no Presente Simples em português precisa ser estruturada no Present perfect. Nesse caso eu digo " Eu moro em SP há 10 anos" e explico que  essa frase não pode ser traduzida como "I live in SP for 10 years". Aliás, esse é um recurso que uso com dupla intenção. A de esclarecer um possível uso incorreto de tempos verbais e também para mostrar como muitas vezes a tradução pode induzir a erros de estrutura.

 Aluno e professor podem tornar-se dependentes dessa ferramenta, tão prática e conveniente?
Lembro que no meu primeiro treinamento para professores, fui proibida de fazer uso do Português em qualquer circunstancia em sala de aula. A principio achei a regra rígida demais mas depois eu entendi que a proibição era metafórica. Se você se propõe a usar Inglês 100% do tempo, você usará entre 90% e 95%, dependendo do nível dos alunos. Porém, se você entrar na sala de aula considerando o uso do Português, você, e consequentemente os alunos, o farão cada vez mais frequentemente. Até chegar o ponto em que você não conseguirá retroceder.

 O aluno pode se transformar em mero recipiente de informação, sentindo-se incapaz, desestimulado, inseguro e coadjuvante no processo de aprendizagem?
Quando o professor faz aquele jogo de adivinhação com o aluno para que ele entenda uma palavra, sem o uso da tradução, isso  pode ser visto como uma perda de tempo. Conforme já tratei no texto Don´t translate, por que não?,  quando o aluno relaciona uma idéia a algo pessoal, a chance de ele memorizar a palavra é muito maior. A relevância e significância fazem com que ela seja guardada em sua memória de longa duração. Além disso, quando o aluno se acostuma a ter acesso a tradução, ele perde a oportunidade de desenvolver estratégias  de aprendizado e melhorar sua habilidade linguística. Esse tipo de aluno geralmente torna-se muito inseguro e "trava" quando não encontra no seu repertório de Inglês a palavra exata  que ele tinha em mente, em português.

Quanto inglês deixará de ser ouvido por conta desse caminho encurtado da tradução? Quantos sinônimos e exemplos contextualizados deixarão de ser explorados?

Dizem que nunca se deve dizer aos alunos; "Prestem atenção que é importante!". Ao dizer isso o professor estará automaticamente dizendo que tudo o que foi dito antes não era... Além de sinalizar que ele só deverá estar atento quando for requisitado. O mesmo acontece no uso da tradução, quando o professor traduz um termo para o aluno, esse automaticamente conclui, mesmo que inconscientemente, que ele já absorveu o suficiente. Quando o professor propõe a prática ou oferece exemplos, eles podem não ser tão valorizados quanto se o aluno dependesse deles para confirmar que tinha entendido. Como consequência, o termo pode virar vocabulário passivo do aluno e não vir a se tornar  ativo . (leia Vocabulário ativo x vocabulário passivo)

O aprendizado de uma língua segue um caminho linear ou espiral? O aluno precisa entender 100% do que ele ouve ou lê? A tradução pode incentivar essa crença?

Traduzir traz a falsa segurança que a maior parte dos alunos almejam, mas o conhecimento não se dá de maneira linear. Aprendemos de forma espiral! A cada volta, absorvemos a língua em um nível mais avançado. Me lembro de ter ouvido a palavra exuberante pela primeira vez, quando bem criança, e ter percebido apenas que se tratava de algo positivo. Nunca pesquisei essa palavra no dicionário, fui construindo o significado com o passar dos anos. Lembro até hoje como achei curioso perceber que aquela palavra poderia ter diferentes sentidos. "Que jardim exuberante!", "Aquela mulher é exuberante!". O fato de eu ter tido um papel ativo intelectualmente no aprendizado da minha língua materna me ensinou sobre ambiguidade, contexto e muitos outros conceitos imprescindíveis para um bom estudante de idiomas.  

Em suma
, o caminho mais curto não é necessariamente o mais proveitoso. Quando escolher traduzir, faça-o conscientemente, refletindo sobre as diferenças de uso, estrutura e procure não tomar notas em português. Em vez de escrever a palavra advogado ao lado de lawyer, escreva o nome de algum advogado que você conheça. E se não for possível escolher apenas uma palavra chave, que não seja a tradução pura e simples, escreva a definição, mesmo que em Português, mas longe da palavra em questão. Ao reler o texto em algum momento, seu cérebro terá tempo de checar se lembra do significado da palavra. 

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